A PERVERSIDADE DO BULLYING
SILENCIOSO
Bia Botana
Nós temos um conceito de bullying que abrange a
idéia geral de uma situação entre indíviduos que molesta fisicamente e
emocionalmente de maneira constante. Todavia, existe uma maneira mais sútil de
bullying, uma que se assemelha ao assédio moral, eu refiro-me ao perverso bullying
silencioso.
O objetivo do bullying é o exercício do poder de um
ser humano sobre outro, seja ele praticado pelo uso da “força física”, seja
pela “intimidação psicológica” o bullying é uma prática de violência contra a
integridade humana. Na violência
pela intimidação psicológica, o chamado bullying silencioso, busca-se o
constrangimento do indíviduo, sua humilhação, com um ataque acobertado direto e
agressivo à sua dignidade e autoestima a fim de submetê-lo através da perda
crescente da sua autoconfiança a uma opressão da sua personalidade. O agressor
objetiva manipular a vontade do sujeito tal como se esse fosse um marionete. O
bullying silencioso deveria ser considerado mais seriamente em razão das graves
consequências que pode ter para um indivíduou ou para um grupo de pessoas, sua
agressão oculta leva os agredidos a sentir como se estivessem a morrer na alma.
Esse tipo de bullying é tão perigoso que pode levar o indivíduo agredido a uma
forte depressão e em casos extremos até ao suicídio, decorrente do sentimento
de rejeição despertado pela exclusão social a que foi submetido.
Quem faz o bullying silencioso sabe perfeitamente o
que está fazendo à outra pessoa, que a faz sentir-se estúpida, mas como não usa
comportamentos verbais, quando questionada de sua atitude simplesmente desculpa-se
dizendo cinicamente que não estava fazendo nada. Os agressores do bullying
silencioso podem ser os chefes autoritários e desqualificadores, companheiros
de trabalho ou de estudos, que invejosos sobrecarregam seus alvos com
constantes culpas por situações insatisfatórias de desempenho, companheiros
amorosos e familiares que são arrogantes e mentirosos, mas principalmente
são os manipuladores os piores de
todos. Os agressores manipuladores podem ser pessoas ou os ambientes de
atividades sociais que se caracterizam pelo objetivo de quererem ter o controle
sobre a vida de um indíviduo ou de um grupo de pessoas, que sendo notados por
alguma qualidade de valia especial passarão a ser alvo do agressor manipulador,
interessado em suprimir o estado de sucesso e tirar em proveito próprio tudo o
que puder, além de eliminar qualquer possível rivalidade.
Normalmente o agressor manipulador usa da sedução
para atrair, oferece algo do interesse de sua vítima em troca de nada (apenas
na aparência), em ocasião oportuna exigirá a disposição desse a todo momento
para satisfazer suas necessidades, até então ocultas, colocando seu alvo na
posição de devedor por conta de seus favores gratuitos prestados anteriormente.
Será tarde demais quando a vitíma do manipulador descobrir que sua vida foi
contada a todo mundo e que o manipulador adquiriu o poder de controlar a sua
vida, com o poder de fazê-lo sentir-se constantemente mal, fragilizado,
inteiramente “dependente” de outra pessoa, de um grupo social ou
de uma situação, caindo na armadilha que lhe foi armada para apenas ter a impressão de ser aceito e não sofrer uma exclusão social.
Em março de 2011, Kipling D. Williams, pesquisador da Universidade de Purdue,
nos EUA, publicou um estudo relevante que alertava que o bullying silencioso
era uma forma de exclusão social – que leva ao ostracismo e à solidão. Segundo
esse estudo, “ser excluído ou sofrer ostracismo é uma forma invisível de
bullying e geralmente seus impactos são substimados”. Para Williams “ser
excluído por seus colegas no colégio, no trabalho, ou mesmo por cônjuges ou
familiares pode ser insuportável. O bullying silencioso, tal como a exclusão
social e o ostracismo causa sentimentos de dor que podem ter efeitos
duradouros, quando uma pessoa é isolada socialmente, o córtex cingulado dorsal
anterior do cérebro, que registra a dor física, também sente como dor essa
sensação de injustiça social. Ser excluído é doloroso porque ameaça as
necessidades humanas fundamentais, que são o pertencimento e a autoestima. Essa dor pode ser sentida
mesmo quando a exclusão é praticada por um desconhecido ou por um curto
período. “
O estudo de Kipling D. Williams envolveu 5 mil participantes
em um jogo de computador, desenvolvido por ele, com o foco de demonstrar que
como o ostracismo a exclusão
social do bullying silencioso é uma experiência de três estágios: (i) os atos iniciais de ser ignorado ou
excluído, (ii) enfrentamento e
(iii) resignação. E, demonstrar,
também, o efeito tóxico que apenas dois ou três minutos de exclusão social
provoca no indivíduo sentimentos negativos prolongados.
As reações ao primeiro estágio, de ser ignorado ou
excluído (i), foram semelhantes a todos participantes, mas as formas de
enfrentamento (ii) foram diferentes. A mais comum foi adotar uma atitude
comportamental inclusiva, tal como obedecer ordens, cooperar ou expressar
simpatia. Todavia, se a esperança de reinclusão futura se dissipava e dava
lugar a sensação de perda de controle da própria vida, os jogadores recorriam
ao comportamento provocativo e mesmo até agressivo. Com o surgimento do
sentimento de frustração em algum
ponto do processo de inclusão a pessoa parava de se preocupar em ser agradável
e passava a querer apenas ser notada. Evidenciou-se que se uma pessoa é isolada
por um longo tempo ela pode perder a capacidade de enfrentamento contínuo, pois
a dor emocional se faz persistente, conduzindo a pessoa à desistência, ou ao
estado de resignação (iii) onde a pessoa passou a apresentar um aumento da
raiva e da tristeza.
Assim, comprovou-se que o ostracismo de longo termo
presente na exclusão social e no bullying silencioso, pode resultar em
alienação, depressão, sensação de desamparo e sentimento de indignidade, os
quais fomentam o radicalismo e a intolerância, tornando a pessoa propensa à
hostilidade e à violência. Pois, em resposta a sensação de se perder o controle
sobre a condução da própria vida o comportamento agressivo apresenta-se como
uma forma eficaz de restaurar a integridade individual, não importando que esse
comportamento venha acompanhado de violência contra si mesmo ou contra
terceiros. E é nesse ponto que o
bullying social e a exclusão social aparecem como faces mesma moeda com um viés de perversidade e
ainda pouco estudado, cujas consequências ainda não foram dimencionadas
corretamente.
Ora, é difícil de acreditar que é exatamente esse
tipo de jogo psicológico elaborado por Kipling D. Williams para seu estudo, que
foi aplicado num jogo comercial tremendamnete viciante distribuído pelo
Facebook, o notório “Candy Crush”, do desenvolvedor de jogos britânico, King.
A King Com. tem desenvolvido jogos há 10 anos e
tornou-se rentável a partir de 2005, mas teve um sucesso meteórico a partir do
final de 2011, justo no mesmo ano da divulgação do jogo de exclusão social da
pesquisa de Williams. Desde então a King tem fornecido os jogos mais populares
e ganhando rios de dinheiro com plataformas como o Facebook e iOS. Um não tão
inocente jogo como o “Candy Crush” não é apenas viciante, mas também
extremamente torturante com seu processo de bullyings de exclusão social,
aplicados em métodos subliminares de manipulação mental capazes de fazerem as
técnicas torturantes de reflexos condicionados de Pavlov uma brincadeirinha
infantil.
Não foi apenas em razão da onda de suicídios
crescente desde 2008 entre os frequentadores das redes sociais, adolecentes,
jovens e não tão jovens assim, que em meados do último setembro o Facebook
criou um recurso para prevenir suicídios. Decisão tomada após o suicídio da
adolescente britânica Hannah Smith de 14 anos, no último dia 2 de agosto,
aparentemente devido aos insultos e ameaças que recebeu em seu perfil no
Ask.fm, uma rede social em que os usuários postam perguntas e resolvem dúvidas
de forma anônima. A Ask.fm pertence aos milionários letões Ilja e Marks
Terebins, e está registrado na Letônia e tem mais de 60 milhões de usuários. O fato dos usuários poderem se conservar
no anonimato, e a presunção do anonimato como forma de ocultar a sociopatia, é,
ao que parece, o cerne do problema, já que sites como o Ask são viciantes e,
mesmo contendo insultos, as pessoas continuam regressando a estas páginas
curiosas a respeito do que estão dizendo delas.
A bem da verdade, ao que parece ninguém está se
importando muito ao que está acontecendo não só às crianças e aos jovens na
Internet como também a todos níveis de usuários, porque os altíssimos
rendimentos financeiros que a Internet vem apresentado são mais importantes que
o bem-estar dos indivíduos. O drama que se desenvolve no cenário das redes
sociais da Internet está inteiramente tomado pelo processo do bullying
silencioso que vem sendo práticado tanto pelos usuários entre si como pelas
plataformas de redes sociais em relação aos seus usuários.
No passado, cada um de nós administrava o risco de
dano em sua vida pessoal. Hoje os riscos são globais e de vítimas não
delimitáveis. Um dano ao sistema afetará a todos, enquanto novos intrumentos de
produção de dano, intencional ou não, surgem com diferenciado potencial para
produzir lesividades. Ou seja, a questão que atormenta as vítimas do cyber
bullying silencioso é não terem o controle, nem a instrumentação para o
enfrentamento da perturbação, aliado à questão do anonimato potencial dessa
prática e a sensação de impunidade para os agressores.
A sociedade tornou-se menos solidária, está desaparecendo a rede de apoio
antes sustentada pelos laços fraternos de amizade entre as familias. Há uma
crescente solidão e distanciamento entre as pessoas, a intimidade não é algo
desejável, as pessoas tendem a se isolar em autodefesa contra relacionamentos
com pessoas tóxicas, aquelas agressoras e dadas ao bullying silencioso. As
pessoas que já foram agredidas com o bullying silencioso aprenderam a estudar
seus agressores como forma de defesa, fazendo um plano para conhecer o
“inimigo”, descubrindo suas debilidades e pontos fracos, assim eliminando o
próprio medo e abandonando o papel de vítima e podendo demonstrar com atitudes firmes que não
é mais vulnerável a este tipo de
ataque, o que é preferível ao confronto verbal, o qual só será eficaz com um
plano prévio que dê segurança à vítima, mas não é o mais indicado, pois a
tensão pode ser tão grande que a pessoa se sinta como uma panela de pressão
prestes a estourar, e pode perder o controle sobre a sua raiva e recorrer à
violência, o que seria indesejável.
Tendo em vista a tomada de atitudes positivas para
defesa contra o cyber bullying silencioso nas redes socias o suicídio virtual
está cada vez mais frequente. Questões relacionadas com a privacidade, combate
a situações de manipulações viantes na Internet estão entre os principais
motivos que estão levando ao suícidio virtual, ou seja, a eliminação dos perfis
nas redes sociais, em serviços como Facebook, Google+ ou Twitter. A tendência está chamando a atenção dos
investigadores da Escola de Psicologia da Universidade de Viena, que
identificou o perfil dos suicidas virtuais em maioria do sexo masculino, e , em
média, mais velhos que aqueles que permanecem ativos, a par da questão da
privacidade e da proteção de dados, e o do tempo gasto online , os suicidas
virtuais alegam aspectos negativos como a pressão social de ter amigos, de ser
“comentado” e de ser obrigado a ter uma determinada qualidade em suas
publicações, gerando um aumento de insatisfação e levando à perda de interesse.
Há ainda a pressão social para não só ser feliz como para ter sucesso nas
atividades e ser popular. Todo mundo tem que se sentir ótimo. A obrigação de
“ser feliz e bem sucedido” gera uma crescente tensão na medida que se enfrenta
situações de fracasso e logo não se é feliz. Nessa situação a convivência nas
redes sociais são nocívas e intoxicantes ao indíviduo, e o suícidio virtual é
uma maneira de baixar o nível de pressão.
Ao meu ver, o grande problema tem ocorrido quando a
pessoa se torna um viciado dependente do mundo virtual, a ponto que o seu
perfil tenha se transformado em um avatar e ela já nem saiba quem é mais de
verdade, e sua personalidade ter ficado desassociada inteiramente da realidade,
caso em em que o processo poderá levar a pessoa a se comportar na vida real
como seu avatar da vida virtual. Esse tipo de pessoa poderá ser tanto vítima
como agressora do cyber bullying silencioso e tendo perdido a noção de limites
passa a trazer para a realidade mundana toda a violência e agressividade que
está sendo vivenciada no mundo virtual, o que pode ser desde a prática
constante de bullying silencioso nas suas relações sociais como até a vivenciar
a angustia profunda da exclusão social e chegar ao suicídio real. Ao final de
2012 eu disse para os meus amigos: “Quem quiser sobreviver a esta década terá
que desligar o computador e o
celular, para voltar a encontrar o
prazer na vida real e esquecer o mal que as pessoas podem fazer umas às outras.”
O final de 2013 se aproxima e
continuo pensando da mesma maneira.