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domingo, 25 de outubro de 2015

JESUS, AMOR & FÉ - 12. DA PRIMAVERA DA ALMA

JESUS, AMOR & FÉ *


12. DA PRIMAVERA DA ALMA 


No último mês do ano romano FEBRUARIUS, se dava o grande “sacrifício de expiação” chamado “februaria”, assinalando o final do ano. Essa celebração era uma homenagem à divindade itálica chamada “Februs” identificada com “Dis Pater” (que significa Deus Pai em latim), também conhecido como Plutão (ou deus Hades para os gregos), que era o deus das riquezas porque dominava as profundezas da terra, de onde mandava prosperidade e fertilidade, ele era também o juiz das almas dos mortos, o único que tinha poder de restituir a vida a um ser vivo, também poderia destiná-la à bem-aventurança dos Campos Elísios ou condená-la ao sofrimento dos Infernos. 

Nunca foi erguido um templo para Plutão em Roma, pois considerava-se o deus o Senhor de todas as coisas, muito temido por deter o poder de vida e morte. Na celebração expiatória costumava-se fazer oferendas que eram queimadas até tornarem-se cinzas, as quais eram jogadas depois sobre os arrependidos.

Essa era uma tradição vigente ao tempo de Jesus e sendo a região  que viviam os judeus vassala ao Império Romano, estava sujeita ao calendário romanos a despeito do calendário judáico, nada muito diferente do que ocorre nos dias de hoje quanto a relação do calendário gregoriano com os outros calendários judáico, chinês,  árabe e outros. Porém, o que todos calendários trazem em comum são os equinócios e solstícios solares, que marcam as mudanças das quatro estações do ano. Assim, no tempo de Jesus o final do ano na tradição greco-romana o ano findava no inverno e iniciava com a primavera. E essa passagem do inverno para a primavera era um momento especialmente considerado em todas religiões, cujos rituais buscavam explicar o mistério da vida e da morte.

Até os dias de hoje essa relação entre as estações do ano e os rituais religiosos está presente, é em razão disso que se celebra o período da Quaresma no costume cristão. É importante ter em mente que quando os rituais sagrados cristãos foram instituídos pelos romanos a partir do imperador Constantino, (século IV d.C), os romanos pouco ou nada sabiam das tradições religiosas dos judeus, a própria Igreja cristã se sustentava sobre uma miscelânea de informações e com tradições confusas que misturavam a tradição judáica com a tradição da Igreja cristã grega assomada com outras tantas oriundas da cultura romana misturadas ainda com a cultura germânica e também bárbara. Na prática aqueles que eram seguidores de Jesus, eram considerados como judeus, pois o incipiente cristianismo não passava de uma dissidência do judaísmo, uma mera seita, um braço da religião judaica. 

Em termos históricos, após a transcendência de Jesus (29 d.C data provável da crucificação), a primeira Igreja cristã foi erguida em Corinto ao Norte da África em 40 d.C e, em 45 d.C, por  Saulo de Tarso,   judeu farieseu nascido em Tarso vilarejo da Antioquia (atual Turquia) , que viveu em Roma com sua família, e que durante uma viagem a Damasco se converteu ao cristianismo e começou a sua pregação adotando o nome de Paulo, e em 50 d.C. começou a escrever os primeiros textos do Novo Testamento, vindo a falecer em 67 d. C. , após o início da perseguição aos cristãos e judeus pelo imperador Nero em 64 d.C. 

Em 70 d.C o general romano Tito, filho primogênito do Imperador Romano Vespasiano, entrou com suas legiões em Jerusalém e derrubou o Templo reconstruído por Herodes, não deixando pedra sobre pedra tal como a profecia feita por Jesus ("Vêdes todos esses edifícios? Em verdade vos declaro: Não ficará aqui pedra sobre pedra; tudo será destruído" Mt. 24:2).

Essa foi a primeira Diáspora judáica, a segunda viria em 135 d.C. quando o imperador Adriano decretou a expulsão dos judeus da Terra Santa, da região da Palestina. Desenraizados e sem pátria os judeus espalharam-se pela Europa e costa mediterrânea. 

Portanto, em seus primórdios o cristianismo era uma divisão do judaísmo, era difícil a um leigo distinguir entre os dois ramos religiosos judaicos. Portanto até o imperador Constantino em 313 d. c. promulgar o Édito de Milão, que garantiu a liberdade de culto aos cristãos, a divisão entre judeus e cristãos simplesmente não existia. Será tão somente a partir do Primeiro Concílio de Nicéia, convocado por Constantino em 325 d. C. que essa distinção de credos passará a se configurar, estabelecendo questões de heresias. E novamente as palavras proféticas de Jesus se cumprem ("Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não der fruto em mim ele cortará..." Evangelho de João Capítulo 15). Será em 380 d.C. que o imperador Teodósio I fez do cristianismo a religião oficial do Estado romano. Assim foi no Concílio de Constantinopla que foi reafirmado o Credo de Nicéia e estabeleceu o Espírito Santo em pé de igualdade com o Pai e o Filho, formando assim a Santíssima Trindade, de modo que a idéia da Santíssima Trindade se tornou a pedra fundamental sobre a qual se ergueria a poderosa Igreja Cristã da Antiguidade, que subjugaria todos os povos da Europa até o século XVI. 

Contudo, o projeto político-religioso de uma teocracia imperial não sustentou  a unidade do império romano, que se partiu ao meio em 395, com a morte do imperador Teodósio. As invasões comandadas por Átila, chamado de “O Flagelo de Deus”, líder dos hunos, povo oriundo das estepes asiáticas estabelecido na Hungria, colocou fim domínio de Roma em meio a grande destruição, em 476 foi deposto o último imperador romano Rômulo Augustulo, e para sobreviver a Igreja de Roma estabeleceu alianças monárquicas com os novos reinos bárbaros que surgiram na Europa. 

Neste tempo a distinção entre judeus e não-judeus insipiente na prática, pois o exercício discriminatório se dava mais entre romanos e bárbaros. A fraqueza da nova política teocrática imperial romana logo se manifestou na incapacidade de manter a unidade entre os “bispados" das cidades do território do império no Oriente Médio, dando oportunidade para o surgimento de uma nova teocracia baseada em costumes regionais, que aproveitando-se da fraqueza da decadência romana empreendeu sucessivas campanhas militares conquistando os territórios enfraquecidos do Oriente Médio, tal como a região da Palestina por exemplo. Essa região que já tinha sido expurgada dos judeus no século II, por volta do século VII, quinhentos anos depois portanto, constituía-se de um cadinho de culturas, inclusive judáica, porquanto os judeus voltaram a se estabelecer em seus antigos territórios sob a êgide de “cristãos romanos”, e viriam a ser conquistados pelos árabes islâmicos, muitos deles adotando a a profecia de fé divulgada pelo profeta Maomé. 

Destarte, que com isso cumpriu-se mais uma vez as palavras proféticas de Jesus que disse sobre certos judeus que prefeririam as glórias humanas às glórias de Deus: “Não espero a minha glória dos homens, mas sei que não tendes em vós o amor de Deus. Vim em nome de meu Pai, mas não me recebeis. Se vier outro em seu próprio nome, haveis de recebê-lo.” (Jo 5: 41-43) 

De modo que a distinção entre cristãos e judeus, só passou a se dar quando os judeus se uniram aos novos dominadores teocráticos árabes islâmicos e ocuparam a região da Península Ibérica na Europa, a partir de 711, formando o califado de Córdoba, e ocupando as Ilhas Baleares, a Sicília, a Córsega e a Sardenha, realizando devastadoras pilhagens e aprisionando os cristãos que eram vendidos como escravos. A pirataria islâmica constituiu-se uma ameaça permanente aos povos cristãos europeus até o século XI, quando teve início severas campanhas militares para a expulsão dos islâmicos do continente europeu, a partir desse momento é que verdadeiramente a distinção entre islâmicos e judeus e entre judeus e cristãos se tornou clara, pois muitos judeus que tinham convivido com os islâmicos desejosos de ficarem na Europa se auto-declararam “judeus" para serem assim recebidos pelos reinos europeus cristãos, e puderam migrar da Península Ibérica para a Inglaterra, França e Alemanha, enquanto os árabes islâmicos foram expulsos. Essa questão explica muitas circunstâncias históricas do cristianismo e permite que compreendamos melhor as graves divergências religiosas que surgirão entre os cristãos, divergências estas devidamente semeadas para solapar a unidade da teocracia cristã européia implantada pelo antigo império romano.

Portanto tenhamos bem em nossa consciência antes de julgar levianamente, que essa Igreja que se ergueu em nome de Jesus, é uma instituição humana sujeita a erros e acertos da condição humana, seu conhecimento religioso bebe na tradição judaica e amalgama-se com várias tradições religiosas pagãs para poder tornar-se um fé inclusiva e agregadora dos mais variados povos que constituem a humanidade, dando-lhe  o caráter de uma fé universal, tal como era desejo de Jesus. Assim como foi profetizado nas Sagradas Escrituras pelos profetas como Isaías e Ezequiel, os judeus, apesar de serem o povo escolhido de Deus, também  seriam espalhados por toda terra devido a dureza de seus corações e subsistiriam e seriam como o sal da terra, misturando-se a ela, a ponto que hoje ninguém possa dizer que não tenha sangue judeu correndo em suas veias. Subsiste atravessando milênios, superando todas as desgraças do passado e do presente a fé no Deus do patriarca Abraão, até que, possivelmente, por obra da misericórdia de Deus, um novo coração seja dado ao ser humano no futuro e cumpra-se a profecia de Jesus sobre a conversão universal: "Pois bem, a vossa casa vos é deixada deserta. Porque eu vos digo: Já não me vereis, até que digais: Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor." (Mt. 23:39)

Nas disposições litúrgicas da nova Igreja Romana Cristã, estabeleceu-se o período da passagem de Jesus na Terra, de seu nascimento até a sua morte e ressurreição na época do inverno no hemisfério norte, pois naquele tempo nem se cogitava na existência de outras terras sujeitas a outros regimes climáticos. O inverno na tradição romana representava segundo a sua religião politeísta a morte e o renascimento da vida, de forma que o período que antecederia o renascimento da vida já era dedicado a um exame de consciência por então ser fevereiro o mês do deus Plutão que regia os Infernos, e julgava as almas. Com base nessas tradições romanas foi introduzida a prática da Quaresma, com a idéia que essa seria a "primavera da alma", já tão presente no mito de Prosérpina, sobre os Mistérios Eleusianos que tratavam da vida e da ressurreição da vida, presentes no renascimento da vida a cada primavera. Justamente por isso a Quaresma coincide com o tempo que antecede o início da estação primaveril no Hemisfério Norte, inclusive em Israel.

Já o numero de 40 dias, se estabeleceu também por seu simbolismo nas Sagradas Escrituras. Por 40 dias e 40 noites, Deus fez cair o dilúvio sobre a terra ( Gn 7,12). Por 40 dias e 40 noites, Moisés ficou no cimo do Sinai para receber de Deus a Lei ( Ex 24,18). Por 40 anos, o povo de Israel se fez peregrino pelo deserto do Sinai até entrar na Terra Prometida. Por 40 dias e quarenta noites, Jesus ficou em jejum no deserto e depois foi tentado pelo demônio no deserto (Mt 4, 2).

Todos esses eventos estão inseridos num contexto de Aliança, entre o Criador e sua criatura. O Dilúvio tem como finalidade a purificação da humanidade e um novo nascimento a partir da aliança com Noé. A estada de Moisés no alto do Monte Horeb (ou Sinai) determina a recepção das cláusulas (o Decálogo) da aliança do Sinai. O longo caminho pelo deserto é o percurso para receber a promessa da aliança com Yavéh. E o período que Jesus passou no deserto preparando para o batismo e o recebimento do Espírito Santo, para iniciar a sua vida missionária e a realização definitiva da Nova Aliança. Portanto, o número 40 nas Sagradas Escrituras evoca uma preparação a um grande evento de salvação promovido por Deus em favor da humanidade para o fortalecimento da Aliança Sagrada entre o nosso Pai e nós.

Assim a celebração da Quaresma, dentro desta tradição bíblica e da tradição litúrgica da Igreja, alcança o seu pleno significado. Ela se compõe de quarenta dias que nos colocam às portas de um Sagrado Encontro. Um encontro que começa com um encontro com nós mesmos, com as nossas consciências, e nos eleva espiritualmente para que possamos ir ao único encontro que sacia os nossos corações, aquele única capaz de preencher os nossos mais profundos anseios, o único que é capaz de dar um verdadeiro sentido às nossas vidas, dando-nos um verdadeiro propósito às nossas existências. A Quaresma nos coloca às portas de um Encontro pessoal com a Nova Aliança. Um Encontro com Ele: o Ressuscitado, o nosso Salvador, JESUS!!!!

E é para esse ENCONTRO AMOROSO que devemos nos preparar, para nos apresentarmos com nossos corações renovados, revividos e repletos de misericórdia e amor, para que recebendo o saber procedente de Jesus e seus ensinamentos nossas almas floresçam  segundo a vontade amorosa do nosso Deus Pai.

* Da coletânea de crônicas diárias publicadas no meu  perfil do Facebook  de dezembro/2014 a abril/2015.

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